A impressão corrente é que todo mundo enlouqueceu. Não é de
hoje, bem sabemos, e há tempos que se anuncia que essa seria "a campanha
mais suja da História". Pois bem, as profecias se realizaram. E se você
também acha que está todo mundo louco, tenho uma notícia: você tem razão.
Antes de vocês acharem que sou daqueles psiquiatras grotescos
que acreditam que tudo é doença mental, me explico. As pessoas não estão
enlouquecidas pelas doenças mentais mais óbvias, como depressão ou ansiedade
(embora essas doenças estejam cada vez mais presentes por aí). Estão
vivenciando um fenômeno mais ou menos particular que chamamos de "fenômeno
de massa". Não é a primeira vez que falo disso nesse blog. Corro o risco
de ficar maçante e repetitivo, mas acredito que eventualmente precisamos ser
repetitivos se queremos nos fazer entender. O deslize estético é perdoável se a
mensagem é importante e se faz urgente.
Volto a citar a obra prima de Freud "Psicologia das
Massas e Análise do Eu" (Obras Completas, volume 15 – Companhia das
Letras). Freud, o Pai-de-Todos, defende que as pessoas quando se sentem pertencentes
a um grupo, adquirem aspectos psicológicos particulares que alteram seu
funcionamento mental e seu comportamento. É aquele velho aforisma "ele
quando está sozinho é uma pessoa, com os amigos vira outra pessoa", só que
potencializado muitas vezes.
Freud, citando Gustave Le Bon, enumera três mudanças
principais no sujeito quando está envolvido pela massa:
Em primeiro lugar ele perde o que chamamos de "medo
social". A sensação de pertencimento a um grupo faz com que as pessoas se
sintam mais poderosas e consequentemente mais corajosas. E obviamente mais
inconsequentes e desrespeitosas. Os recalques internos perdem sua força e
admite-se pensar ou eventualmente fazer coisas que antes seriam inadmissíveis.
Uma segunda característica é o caráter contagioso dos
afetos. Dentro de uma massa, uma resposta afetiva tem o efeito de um rastilho
de pólvora, se disseminando rapidamente. Uma notícia favorável a um candidato
provoca reações entusiasmadas em cadeia de um lado assim como de indignação ao
outro, na mesma proporção.
A terceira característica é que, nesse estado, as pessoas
ficam absolutamente influenciáveis. O sujeito na massa se comporta como uma
espécie de zumbi sugestionável, que dificilmente vai se opor a um comando de um
líder qualquer ou mesmo a um movimento de manada das pessoas que o cercam. Não
é de se estranhar que as pessoas, mesmo as razoáveis, acabem por compartilhar e
difundir mensagens absolutamente estapafúrdias simplesmente porque alguém disse
que era verdade.
Se nós juntarmos essas três características, podemos dizer
que a pessoa na massa emburrece, ao mesmo tempo em que se torna mais apaixonada
e profundamente ressentida. É evidente que, apesar de uma massa tender a
nivelar seus integrantes, na medida em que lhes retira suas particularidades e
os nivela, nem todos sofrem seus efeitos da mesma maneira. Termina por haver
uma regressão das capacidades intelectuais e o aumento da excitação, que nos
leva eventualmente a termos impressão de que todos voltaram para a 5a série.
Existem pessoas que só imaginam, existem pessoas que xingam no Whatsapp e no
Facebook, existem pessoas que fazem ameaças concretas e pessoas que passam ao
ato, tipo espancar ou esfaquear os inimigos.
Freud escreveu isso em 1920, um ano antes de Mussolini
chegar ao poder na Itália, dois antes de Stalin e treze antes da ascensão de
Hitler na Alemanha. Não por coincidência, todos eles utilizavam largamente
propaganda enganosa para chegar ao poder e para mantê-lo. Hitler e Mussolini
sempre apostando na paranoia da "ameaça comunista" assim como Stalin
apontava os "traidores da Revolução". Eram as fake news pré-internet.
É justo aqui ressaltar o papel da própria rede nesse
processo todo. Como podemos observar, esses movimentos já existiam há muito
tempo. Provavelmente Stonehenge e as pirâmides do Egito foram construídos por
gente assim. Quem, em sã consciência, iria empurrar pedra de 20 toneladas
naquela época se não fosse no embalo da massa? Mas nos últimos anos notamos que
de fato houve uma exacerbação e um contágio dos afetos sem precedentes. Essa
rede nervosa global, trabalhada em fibra ótica, faz a imagem da pólvora parecer
até tediosa.
Se antigamente exigia-se um certo trabalho para se juntar à
massa, como sair de casa e ir a um jogo de futebol ao menos, hoje a massa vem
até você. Basta ter um celular em mãos e você pode ser arrebatado. E em pouco
tempo é possível que você esteja relativizando a violência, a tortura, o
racismo e o machismo.
Luiz Sperry
01/10/2018
Crédito: iStock